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24 de set. de 2017

Primórdios atualizados

Primórdios, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 23-09-2017.
Primórdios, criado em 23-09-2017.

O Representante permanente do Brasil nas Nações Unidas também rebateu as acusações de genocídio dos índios da Amazônia: "… houve ausência de malícia especial e da motivação necessárias para caracterizar a ocorrência como genocídio*. Os crimes em questão foram cometidos por razões exclusivamente econômicas, e os perpetradores agiram unicamente para tomar posse das terras de suas vítimas."
(Jared Diamond — O terceiro chipanzé - a evolução e o futuro do ser humano, p.311)


Com a modificação das formas de dominação (de militares para culturais), a assimilação de valores estrageiros foi retirando as características locais, tornando-se o maior e mais poderoso e efetivo poder da atualidade: o subjugo voluntário por parte dos indivíduos.

Quando as cavernas eram o lar, o local de socialização, o referencial mais bem desenvolvido de segurança coletiva, humanos constituíram os primórdios dos agrupamentos sociais. Agentes específicos conservavam e protegiam os bens, enquanto outros obtinham os alimentos. Em busca de melhores condições de vida, caminhava-se continuamente, reservando o período quando a natureza mostrava seu lado mais poderoso e amedrontador para guardar o que já havia sido conquistado e se resguardar.

Na história humana força bruta e gestos protetores e acolhedores produziram questionamentos e modificação contínua nos comportamentos. Em alguns locais foi possível utilizar os conhecimentos adquiridos com o plantio para melhorar a alimentação e a saúde de todos e, neles, a socialização evoluiu. Várias espécies animais foram se achegando, gerando uma nova forma de convívio com aproveitamento mútuo.

O estabelecimento de trocas benéficas para todos permitiu a expansão dessa forma de reunir seres vivos, consolidando alianças entre agrupamentos de diversas localidades. Do surgimento das pequenas aldeias, vilas e cidadelas, encaminhou-se para a formação dos conglomerados, facilitando o desenvolvimento das artes e a transmissão e ampliação do conhecimento prático e teórico: os elementos culturais específicos se definiam e eram transmitidos ao redor.

Na contramão do colaboracionismo, a vontade de apropriação do alheio e uma gama imensa de forças inferiores foram manifestas em intervenções destrutivas. O enfraquecimento dos laços que uniam comunidades distintas, a produção intencional de escassez, a cooptação das vontades políticas de elementos estratégicos: os métodos padrão de atuação para os imperialistas se ampliaram.

Em diversos locais, o uso do poderio bélico-militar foi direto, mas as intervenções por espionagem evidenciaram-se prática mais efetiva: suborno de autoridades públicas e privadas estabeleceu traições, golpes internos e caos instalado, antes da chegada dos usurpadores. No seu rastro, bens locais, a língua e tudo mais que expressava a cultura e os modos de existir e ser de diversos agrupamentos foram extintos ou quase.

Na atualidade, a criação de grupos de manipulação da informação, construídos e mantidos por interesses financeiros, visibiliza essa força de modelação de pensamento. Nessa via de atuação, o lobby e a prática da corrupção constitui a geopolítica ativa e usurpadora dos bens das nações: a entrega dos tesouros estratégicos (extrativismo vegetal, mineral e a principal riqueza atual, a genética da biodiversidade) é aceito passivamente e não questionado.

Ao tempo em que a opinião pública admitiu a servidão como algo aceitável, a depender apenas de em que país, efetivou-se localmente o subjugo sobre a dignidade pessoal (o genocídio indígena e campesino, o uso da mão-de-obra infantil e do trabalho escravo, por exemplo).

Só que algumas questões específicas e locais de resistência ganharam mundo. Denunciados por novos instrumentos disseminados pela internet, a tentativa de aculturação hegemônica teve que remodelar-se. Mas cada técnica aprimorada vai se tornando conhecida e contra medidas são adotadas: a luta por independência vai se tornando objetivo coletivo de muitos povos. Isso confirma que nenhuma força de dominação se exerce sem reações contrárias.

Aos sujeitos que resistem ativamente às apropriações será necessário alavancar conceitos e práticas que se insurjam contra os assujeitamentos, as dominações, os convencimentos da massificação. Desconstruir, em suas bases, os preceitos fundamentalistas e seus poderosos controles de mentes e corpos, via midiotização, é essencial.

Essa perspectiva sinaliza possibilidades de um avanço por vontades, por capacidades, por tudo aquilo que investe na mobilidade ao invés da paralisia. É preciso identificar e investir, de forma coletiva, em aquilo que propiciará mudanças efetivas, que resgatará o uso do que é participativo, colaborativo e minimizador das discrepâncias sociais (especialmente as desigualdades financeiras). Acima de tudo, é preciso repetir incessantemente e fortalecer a ideia de que desistir não está na pauta do dia, muito menos assujeitar-se.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 23-24 de setembro de 2017.

* A fonte utilizada por Diamond para comentar o extermínio dos índios brasileiros foi Victms of the Miracle, de Sheldon Davis, Cambridge University Press, 1977.

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